Lei

Lei Trou Xan Atesta

Aquele dia que não era para ter começado

Hoje tive um dia que já começou esquisito. Sabe aquele dia que por diversas vezes olhamos para cima e perguntamos “Por que? O que foi que eu fiz?”. Dizem que temos que estar atentos aos sinais divinos e eu realmente tive vários, mas como eu vou saber quem está mandando os sinais se chegam sem qualquer assinatura?

A Alexa resolveu me acordar com uma música de uma dupla sertaneja que não me lembro o nome, Gabriel e Henrique, Luca e Armando, Téo e Manuel. Hoje em dia quaisquer dois nomes que juntamos tem probabilidade de 63,4% de já existir uma dupla cantando uma sofrência por aí.

Eu pessoalmente não gosto de música sertaneja. Sou eclética no que escuto, em sua maioria rock, ou MPB, às vezes um pagode, mas sertanejo nunca, simplesmente porque não gosto.

Agora, me pergunto em que momento minha Alexa resolveu que seria uma boa escolha tocar um sertanejo para me acordar? Qual o QI dessa IA para chegar no resultado de um algoritmo de que, conforme as minhas preferências musicais, sugerir um Pietro e Enzo seria uma boa ideia? Esse teria sido talvez o primeiro sinal.

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Mas o dia começou

Acordei já um pouco irritada. Fui tomar meu banho e o chuveiro elétrico queimou. Desceram pedras de gelo pelo encanamento. Seria esse o segundo sinal? Eu lembrei de minha tia Tonha dizendo que água fria faz bem para a pele e para o cabelo e, apesar de quase deslocar o maxilar de tanto bater os dentes, lavei os cabelos pensando em tia Tonha cantando o disco da Xuxa ao contrário.

Não tomei café da manhã porque abri a geladeira e deu até eco de tão vazia, mas aí também não posso considerar tudo um sinal. Isso foi apenas eu mesma que não passei no supermercado no dia anterior porque queria chegar logo em casa para ligar para Babô antes que ele fosse dormir.

Antes de sair com o carro, coloquei o endereço do trabalho no Waze e a voz da Dona Waze tinha mudado. Acho que ela saiu de férias e entrou um moço para cobri-la, o Seu Waze. Eu sou do tipo que vou dialogando com o Seu Waze durante todo o trajeto e desobedecendo as instruções, obrigando-o a recalcular a rota a todo o momento. Pode ser este o motivo das férias da Dona Waze, ou afastamento por burnout talvez. Mas em determinado momento que ele disse direita e eu segui reto porque a via estava livre e não vi motivo para fazer qualquer desvio, foi quando algo caiu em cima do meu carro, amassando o capô e me envelhecendo 5 anos em um segundo.

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Por que não segui o Waze?

Eu tremia tanto que não consegui sair do carro de imediato. Algo muito colorido tinha caído no meu carro. O vidro da frente ficou todo trincado tornando a imagem à frente um caleidoscópio. Seja lá o que tenha caído, estava se mexendo e por um momento tive dúvida se eu estava realmente acordada, mas um senhor bateu no vidro do carro e me despertou para a realidade.

– Oi, a senhora está bem?

Olhei para ele, ainda sem entender o que estava acontecendo.

– A senhora se machucou? – O senhor insistiu em dialogar comigo.

– Sim, estou bem. – Respondi e destranquei a porta para sair de dentro do carro. – O que aconteceu?

– Um padre. – Um menino de no máximo 9 anos que estava junto com o senhor respondeu.

– Desculpe, o que? – Perguntei a ele.

– Um padre, moça, foi o que caiu no seu carro.

Olhei para o grande arco-íris que tinha visto pelo caleidoscópio e vi que eram bexigas, aquelas que tem nos aniversários de criança, e que tinha algo se mexendo entre elas.

Tentei me aproximar, mas tinham tantas pessoas com celulares na mão filmando que não consegui chegar perto da frente do carro.

O senhor se dirigiu novamente a mim.

– A senhora teria um celular?

– Celular?

– Sim, um celular.

– Tenho na minha bolsa, por quê?

– Acredito que seja bom alguém chamar uma ambulância para o padre.

– Ninguém chamou ainda?

– Eu estava indo à padaria com meu neto e não trouxe o celular e sinceramente não vi ninguém preocupado em ligar para ambulância, estão todos fazendo vídeos. Vi uma menina falando sobre o ocorrido com alguém e imaginei que estaria chamando socorro, mas meu neto disse que era uma live. Posso tentar achar um orelhão, mas não sei se ainda funcionam ou se apenas não retiraram das ruas por serem patrimônio histórico.

– Não, eu vou pegar meu celular no carro – disse rapidamente e corri para chamar o socorro.

O Samu chegou após 15 minutos e foi uma confusão, tiveram dificuldade em chegar até o padre, devido à multidão de curiosos e à quantidade de balões. O padre estava enroscado no meio de uma piscina de balões de diferentes tamanhos e cores, e um emaranhado de fios.

Levaram o padre na ambulância consciente e na sequência liguei para o meu chefe e avisei que não iria trabalhar hoje, pois tinha tido um acidente de carro. Achei melhor omitir detalhes, eu ainda precisava me convencer do que tinha acontecido para conseguir passar credibilidade para quem eu contasse.

Up Altas Aventuras

Por que saí de casa hoje?

Fui tentar resolver a situação do carro com o seguro. Pago seguro há 20 anos e nunca precisei utilizar para nada. Chegou o dia em que a frase de minha mãe faria sentido para os boletos mensais. – Minha filha, a gente nunca sabe o que pode acontecer. É melhor pagar o seguro para andar com tranquilidade. A cidade está perigosa, e se roubam o seu carro? – Fiz o seguro e pago todo o dia 10 sem atraso, há 240 meses.

– Seguradora, Maria Mariana, bom dia! Em que posso ajudar?

– Oi, bom dia! Eu precisava acionar o seguro do meu veículo.

– A senhora tem o documento do veículo em mãos?

– Tenho sim. – E passei todos os meus dados e os dados do veículo que a Maria Mariana solicitou.

– Qual o problema com o veículo?

– Eu tive um acidente e preciso de um guincho.

– Qual o acidente?

– Algo caiu em cima do meu carro, amassou o capô e trincou todo o vidro.

– O que exatamente caiu em cima do seu carro?

– Uma pessoa.

– Que tipo de pessoa, senhora?

– Que tipo? Sei lá, era um padre.

– Certo. Só um momento.

Esperei na linha e quando Maria Mariana retornou, com toda a calma continuou o interrogatório sem qualquer alteração na voz ou no ritmo das perguntas.

– Foi suicídio, senhora?

– Eu não sei, ele estava voando com balões, acredito.

– A senhora não mencionou balões. Ele então não caiu no seu carro e sim, pousou.

– E isso faz alguma diferença?? – Já estava começando a perder a paciência com Maria Mariana.

– Só mais um momento, senhora.

Retornou após alguns minutos.

– Qual era o tipo de balão, senhora?

– Não faço ideia.

– E quantos balões eram?

– Sei lá, uns 50 ou 60 ainda cheios.

– De quais cores eram os balões?

– Meu Deus! E eu lá sei as cores dos balões! Eram de muitas cores.

– Algum laranja ou violeta?

– Não me lembro, acho que sim.

– Só mais um momento. – Da próxima vez que a Alexa me acordar com um sinal tão claro, não saio de casa.

– Senhora, o padre morreu?

– Ele estava consciente, foi levado ao hospital pela ambulância.

– Senhora, infelizmente não poderei enviar o guincho.

– Como assim não pode enviar o guincho?

– O seu seguro não cobre esse tipo de acidente.

– Que tipo de acidente?

– Padre em voo com mais de 30 balões coloridos, inclusos balões laranjas e violetas, sem vítimas fatais.

– O QUE????

– Padre em voo com mais de 30 balões coloridos, inclusos balões laranjas e violetas, sem vítimas fatais. – Repetiu Maria Mariana como um papagaio.

Respirei tão fundo que quase me engasguei com meu próprio oxigênio.

– Maria Mariana, eu preciso de um guincho.

– Meu tio Carlos tem um amigo que tem um irmão que tem um guincho. A senhora quer que eu tente arrumar o número dele?

O que está acontecendo?

Conversei mais uns cinco minutos com a Maria Mariana, mas sem qualquer resultado. Acabei desligando e Carvalhão veio buscar meu carro, irmão do amigo do Carlos, tio da Maria Mariana. Carvalhão me deu uma carona até a casa de Babô.

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Tem dias que só precisamos de um colo

Toquei a campainha e Babô abriu a porta com seu sorriso único.

Babô é meu avô por parte de mãe. É um ser iluminado, inabalável e sempre de bom humor. Extremamente racional, o que às vezes me dá nos nervos. Eu querendo que ele xingue e grite comigo e ele olhando o caso por diversas perspectivas, com uma calma que está em extinção nos dias atuais.

– O que você faz por aqui essa hora? – E me deu um abraço carinhoso. – Como você está, minha querida?

– Nada bem, Babô, estou extremamente irritada com o mundo nesse momento. – E contei todo o meu dia, desde o repertório musical da Alexa até a inacreditável conversa com Maria Mariana e a carona com Carvalhão.

– Mas minha neta, se acalme.

– Como vou me acalmar, Babô? Pago esse seguro caro há anos para quê?

– Mas essa é a Lei Trou Xan Atesta.

– Ai Babô, lá vem você com as leis da vida. Lei Trou o que?

– Lei Trou Xan Atesta: o seguro cobre tudo, menos o que aconteceu.

Desevolução Humana

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