I’ll be there for you
Amizade não é tentar moldar o outro para caber nos seus padrões ou expectativas. Amizade é um abraço constante, mesmo à distância, que acolhe o outro como ele é: peculiaridades, defeitos, manias irritantes e tudo mais. É sobre admirar as qualidades, claro, mas também sobre transformar os defeitos em piadas internas. Amizade verdadeira não tem espaço para perfeccionismos, mas transborda honestidade. É uma troca genuína, onde o respeito pelo outro sempre vence qualquer desejo de “consertar” aquilo que nos torna diferentes.
Amizade é um contrato vitalício que assinamos sem ler as letras miúdas. Nos metemos em roubadas sem fazer perguntas e, sem saber como chegamos ali, estamos carregando um gigantesco sofá pelas escadas estreitas de um prédio com alguém gritando “pivot” a cada degrau superado, ou participando de um plano maluco para impressionar o crush alheio. Logo em seguida, prometemos solenemente nunca mais aceitar entrar nessas furadas, mas basta nos chamarem para nova missão, que lá estamos, a la Tom Cruise, prontos para mais uma.
Falha na falange
Conheci Regina Phalange em um domingo caótico no aeroporto, no dia que deu problema na falange esquerda do avião. Todos os passageiros desembarcaram assustados, comentando sobre o problema na falange e o risco de decolar com um problema tão grave no avião. Entre eles, estava Regina Phalange, acompanhada por cinco pessoas, duas moças e três rapazes.
Um dos rapazes estava muito calmo e aquilo me chamou atenção. “Unagi” ele explicava para os amigos. Disse que era um estado de consciência plena para jamais ser pego de surpresa. Mas logo deu um grito de susto quando a voz do aeroporto anunciou a mudança do portão de embarque.
Ao chegar no novo portão, um segundo rapaz do grupo estava esparramado no banco, ocupando três assentos. O rapaz do unagi gritou “PIVOT”, mas o outro nem se mexeu, olhou para ele e disse simplesmente “It’s a sunday. I don’t move on sundays”.
O unagi pediu ajuda somente com o olhar para Phalange, que sentada em outro banco também não se moveu “I wish I could help, but I don’t want to”.
How you doing?
O rapaz só levantou do banco quando resolveu puxar papo com a comissária que estava próxima ao portão de embarque. Se aproximou sem muita confiança e iniciou a conversa de uma forma esquisita “Hi! I make jokes when I’m uncomfortable”. A comissária olhou com cara de poucos amigos, sem saber o que responder a esse comentário introdutório.
“Oh…. my….. God!!!” gritou uma mulher do outro lado da sala de embarque, com uma voz anasalada, “What a small world!”. “And yet, I never run into Beyoncé“, completou o cara das piadas, que a conhecia aparentemente.
Nessa distração, o terceiro rapaz do grupo surgiu ao lado da comissária, soltou um olhar 43 e disse “How you doing?”
Smelly Cat
Nesse momento, voltei a minha atenção às mulheres que conversavam avidamente. Uma conversa que parecia tão importante quanto confusa.
“Noooooo?!”, exclamou uma delas, surpresa com algo dito pela amiga.
“They don’t know that we know they know we know “, disse Phalange.
“I know!!!”, gritou a terceira.
Não sei do que falavam, mas fiquei observando aquele estranho grupo. Depois os três rapazes se juntaram a elas e conversavam e riam.
Aqueles seis eram um grupo bem diferente, mas de alguma forma se encaixavam com perfeição.
A voz anunciou que o novo embarque iniciaria em quarenta minutos. Os passageiros olharam com rostos cansados uns para os outros, se comunicando somente com o olhar, em um suspiro coletivo.
Regina Phalange pegou seu violão e, junto aos seus amigos, cantou uma canção. Não sei se o termo correto é canção, diria que ela pronunciou palavras em um ritmo próprio.
“Smelly cat, smelly cat
What are they feeding you?
Smelly cat, smelly cat
It’s not your fault”
Os amigos cantaram junto, como se fosse o hino nacional. Toda a sala de embarque aprendeu o inconfundível refrão e entrou na brincadeira.
E naquele momento, percebi que amizade é como uma canção estranha que só faz sentido para quem canta junto. É imperfeita, meio desafinada, mas, no fim, é isso que a torna especial.